Estímulo ao convívio

Décor Solidário entrega totalmente revitalizado o Centro Cultural Meninas de Sinhá, em BH

Em sua quarta edição, projeto convoca arquitetos, designers, paisagistas e empresas parceiras para redecorar a sede do grupo e melhorar o dia a dia de jovens senhoras

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postado em 20/11/2017 15:11 / atualizado em 21/11/2017 12:32 Joana Gontijo /Lugar Certo
A entrada do Centro Cultural ganhou novos ares e tornou o local atraente para receber as integrantes do grupo e visitantes
 - Osvaldo Castro/Divulgação A entrada do Centro Cultural ganhou novos ares e tornou o local atraente para receber as integrantes do grupo e visitantes

Estar em um lugar agradável alegra qualquer um. Quando o espaço ganha personalidade e faz com que o usuário se identifique com ele, a experiência certamente é de bem-estar. É o sentido de estar pertencido. Atualmente, a casa tem novos contornos, a decoração se torna cada vez mais acessível e a diferença se faz nos pormenores. Mais do que isso, o design de interiores já é encarado como ferramenta transformadora, que, ao tirar a impessoalidade dos ambientes, é capaz de favorecer a autoestima das pessoas, deixá-las felizes, tranquilas e dispostas, na medida em que estimula o convívio e a interação. Diante de uma rotina tão intensa, renovar o meio em que se vive, muito além da estética, influencia na própria saúde, como um ato verdadeiro de cuidado e afeto.

Em sua quarta edição, o Décor Solidário aposta nas boas ações. O projeto acredita que um trabalho bem executado, que deixe os cômodos funcionais, práticos e organizados, melhora o dia a dia, assim desfrutado com mais prazer. Desde 2014, a iniciativa reúne arquitetos, designers, paisagistas e empresas parceiras para revitalizar, de forma voluntária, instituições que estejam precisando de apoio. Com um time de peso, a ação já contemplou um lar de idosas, um abrigo para crianças e uma entidade que recebe mulheres em situação de violência doméstica. Agora, aporta no centro cultural Meninas de Sinhá, no Alto Vera Cruz, Região Leste de Belo Horizonte, para fazer jovens senhoras transbordarem de felicidade. A sede do grupo acaba de ser totalmente redecorada, com 11 ambientes concebidos por quase 25 profissionais.

O resultado é surpreendente. Já reconhecidas no meio da cultura, as Meninas de Sinhá são a reunião de 22 mulheres, com idades entre 54 e 95 anos, que promovem shows, palestras motivacionais e ações educativas, oficinas em várias áreas, buscando resgatar brincadeiras e cantigas de roda. Têm em vista ainda aulas de fabricação de instrumentos e de música, além de alfabetização.

O grupo surgiu há pouco mais de 20 anos pelas mãos de Dona Valdete Cordeiro, liderança na comunidade que, mesmo falecida, parecia estar abençoando o presente que as integrantes do conjunto receberam com a nova casa, reinaugurada na última terça-feira. "O grupo é um legado que minha mãe deixou. Nossa família toda fica muito feliz de dar continuidade a esse que é o grande sonho dela e está realizado. Ela sempre foi uma guerreira, resolvia todas as questões dos moradores daqui, era referência, e segue sendo muito presente. Está na nossa lembrança, no nosso coração. Estou custando a segurar as lágrimas", disse comovida Marilda Cordeiro, uma dos cinco filhos de Dona Valdete, durante a cerimônia de entrega.

Veja como era a sede do grupo antes e como ficou depois da reforma:

Antes:

Depois:



Todos os dias, Valdete observava mulheres saindo do posto de saúde do bairro carregadas de remédios. Faxineira em um centro de apoio para menores, nos idos de 1980 e 1990, resolveu conversar com as senhoras, tamanho seu engajamento social, político e coragem, sem falar na altivez e renitência - uma líder nata. Depois da primeira impressão, veio a certeza de que elas precisavam de outros ares que não fossem apenas o labor doméstico ou a dedicação aos filhos e maridos. Precisavam cuidar de si. A ideia era resgatar a alegria em cada uma. A partir daí, começaram os encontros do que seria o embrião do projeto.

EMOÇÃO

Para a idealizadora e coordenadora do Décor Solidário, a designer de interiores e psicóloga Fabiana Visacro, ver o trabalho finalizado é emocionante. É, em suas palavras, uma somatória de realizações que, depois, leva a efeitos antes impensáveis. "Todo ano, nós nos comovemos. O desfecho acaba ficando melhor que o esperado. Não fazemos nada sozinho. Além dos profissionais de arquitetura e decoração, temos fornecedores que já se tornaram amigos".

A cozinha ganhou uma nova bancada e os revestimentos foram trocados, além do acabamento cimentício nas paredes - Osvaldo Castro/Divulgação A cozinha ganhou uma nova bancada e os revestimentos foram trocados, além do acabamento cimentício nas paredes

Para Fabiana, o cenário onde se decorrem as experiências diárias é invariavelmente responsável para que as mudanças aconteçam de dentro para fora, mas também no caminho contrário, pela percepção do que está em volta e que adentra pela alma. "Nossa intenção é fazer com que esses espaços sejam uma maneira das pessoas se sentirem valorizadas, olhadas, cuidadas, dignas e merecedoras, ocupando um lugar que foi concebido com todo carinho para elas. A premissa é proporcionar uma visão diferente para um lugar que já conhecem, só que agora com uma perspectiva transformadora até na própria maneira de encarar a vida", comemora a designer.

Na secretaria, prateleiras antigas foram removidas e o espaço ampliado para dar conforto aos atendentes
 - Osvaldo Castro/Divulgação Na secretaria, prateleiras antigas foram removidas e o espaço ampliado para dar conforto aos atendentes

A designer de interiores Fátima Gomes é quem assina a renovação da cozinha. Com a preposição de ampliar o ambiente e integrá-lo ao espaço contíguo, especificou uma nova bancada, também com a mudança dos revestimentos e a aplicação de acabamento cimentício nas paredes. "O Décor Solidário é especial, maravilhoso, uma bênção", afirma. Na secretaria, os designers Felipe Bastos e Marcos Anthony deram vida nova ao quartinho da bagunça. Removendo as prateleiras que amontoavam objetos, eles idealizaram um lugar para a equipe trabalhar com conforto, incluindo dois assentos para funcionários e outros dois para atender o público. Mesmo em um lugar reduzido, a solução encontrada ficou para lá de charmosa, destacando a linda pintura de Marcos que desenha a porta. "É muito recompensador para nós, enquanto profissionais, fazer parte do Décor Solidário. Estamos devolvendo para a sociedade algo bom. É realizador ver a alegria delas e dos colegas em fazer, com paixão. Vida longa ao projeto!"

A proposta é contar a história das Meninas de Sinhá em cada detalhe. Um balanço traz de volta a infância, o tapete de grama e os pallets lembram o início do grupo - Osvaldo Castro/Divulgação A proposta é contar a história das Meninas de Sinhá em cada detalhe. Um balanço traz de volta a infância, o tapete de grama e os pallets lembram o início do grupo

A concepção da sala de oficinas e ensaios é das designers de interiores Rosinha Houri, Anna de Matos, Erika Medeiros e da arquiteta Cida Teles. A proposta é contar a história das Meninas de Sinhá em cada detalhe. Um balanço traz de volta a infância, o tapete de grama e a escolha por pallets lembra o início do grupo no quintal de Dona Valdete. A máquina de costura e as bonecas que eram dela fazem sobressair a memória afetiva, e o camarim com um cordão iluminado dá um toque a mais ao se relacionar com uma música ícone das senhoras - "Está caindo fulô". Uma cortina, antigo cenário de apresentação, oculta materiais utilitários em uma das extremidades. "Até arrepio ao falar do Décor Solidário. É uma oportunidade de transformar a vida das pessoas com aquilo que a gente faz no nosso dia a dia de trabalho. Fazemos com todo nosso amor e dedicação. A busca é por inspirar pessoas que queiram fazer outros tipos de ação como essa, porque acredito que, se existe essa vontade, podemos mesmo mudar o mundo", vislumbra Érika. Rosinha Houri, na equipe do projeto desde a primeira edição, conta que, a cada ano que passa, sente mais vontade de participar. "Não é só doar. Acaba que os profissionais são quem recebe. Ajudar ao próximo, oferecer o que de melhor temos, facilitar a vida dos usuários, em um ambiente mais alegre, funcional, cheio de luz e alegria. Isso volta para nós em dobro", salienta.

Aconchego

No espaço de circulação e convivência, a prioridade é o aconchego - Osvaldo Castro/Divulgação No espaço de circulação e convivência, a prioridade é o aconchego

O ambiente de circulação, projetado por Izabella Canaã e Robson Hemerinck , quer ser um local de convivência e estar, inclusive para receber visitantes, com um leiaute o mais aconchegante possível. Dois aparadores podem ser usados como mesas de lanche e poltronas acomodam bem quem quer ter um momento de boa conversa e descontração. Izabella integra o Décor Solidário pela segunda vez. "O projeto é maravilhoso, tanto para nós, como profissionais, quanto para nossa vida pessoal. É engrandecedor porque, mesmo sendo voluntário, é um trabalho em que nós mais temos retorno. Para mim é um prazer enorme estar aqui. Todos os minutos que eu gasto do meu dia, recebo de volta de várias formas. Poder promover uma vida melhor para as pessoas é a melhor coisa do mundo. Não tem nada igual", exalta. Na escada e no lavado do térreo, a harmonização ficou por conta de Silvana Mendes, Everaldo Ammorim, Laura Costa e Wesley Santos. O banho é todo elaborado pensando nos aspectos da acessibilidade e nas necessidades da terceira idade. Uma bela pintura reveste e dá graça à escada. "O projeto é transmutar o espaço existente em um lugar mais adaptado para as demandas delas. Não é só a questão da solidariedade. É uma forma nova de enxergarmos nós mesmos", diz Everaldo. Para o estreante Wesley, a iniciativa é gratificante. "Como uma das meninas falou, nós redecoramos o coração também".

No lavabo e na escada, o protagonismo das cores - Osvaldo Castro/Divulgação No lavabo e na escada, o protagonismo das cores

Na sala de alfabetização, mais charme para aprender. A composição é de Cláudia Zócoli e Deusicléia Horta, que tiraram todo o ar de improviso do cômodo. O espaço foi cedido pela construção que fica atrás e foi incorporado ao imóvel. Aproveitando a grade da antiga porta, o pendente com a iluminação é um dos protagonistas. O banco baú serve para acomodar objetos, e a mesa colorida é ainda mais convidativa. Para as profissionais, estar no Décor Solidário não tem preço. "Começamos primeiro achando que vamos ajudar, mas na verdade somos nós as beneficiadas por tudo o que acontece aqui. Ficamos revigoradas, incentivadas a novos projeto. Passamos a encarar a profissão de outra forma, sem aquela coisa engessada".

Revitalizada, a sala de alfabetização faz um novo convite ao saber - Joana Gontijo/EM/D.A Press Revitalizada, a sala de alfabetização faz um novo convite ao saber

A coordenadora do grupo Meninas de Sinhá, Patrícia Lacerda, conta que as senhoras receberam a reforma com muita alegria. "Em um passe de mágica, é como se uma fada tivesse chegado aqui e transformado tudo. O projeto veio para inovar. Muitas empresas pensam diferente, consideram não só o lucro. E o Décor Solidário é uma união de gente que se importa com o lado social e doa trabalho, tempo, material e dinheiro. O resultado pode ser sintetizado no que Dona Valdete falava: 'quando o povo se une, as coisas dão certo'".

Maria das Mercês Pedro, de 80 anos, é integrante do Meninas de Sinhá desde a fundação, e faz questão de declarar como elas receberam o projeto - repletas de felicidade. Manter o grupo de pé, conta, sempre foi um desafio. "Amamos a casa nova. Só Deus vai poder recompensar quem nos ajudou". Maria Geralda de Paula, de 79 anos, também participante antiga do conjunto, concorda. "Só de mudar a decoração, melhora a autoestima". Para Neide Auxiliadora, 79, a revitalização vai ajudar nas novas atividades. Já Lourdes de Moura Silva, de 71 anos, adora a oportunidade de ter um lugar para se distrair. "Nós também participamos das obras. Está mais bonito, mais colorido, mais vivo. Dá vontade de estar aqui, e poderemos chamar outras pessoas para entrar para o grupo", convida.

Integrantes do Meninas de Sinhá não esconderam a emoção e a alegria com a nova casa. Em suas palavras, o próprio coração foi redecorado - Raquel Mendes/Divulgação Integrantes do Meninas de Sinhá não esconderam a emoção e a alegria com a nova casa. Em suas palavras, o próprio coração foi redecorado

Rosária Madalena Andrade, de 70 anos, presença no Meninas de Sinhá no comando da viola, o grupo é tudo. Ela, que lembra estar enfrentando um momento de tristeza e depressão quando foi chamada por Dona Valdete para entrar para o centro cultural, ressalta que o lugar resgata o bem-estar e auxilia até na saúde. Com o foco, no início, em trabalhos manuais, as meninas agora são como uma família. "Quando estamos mal, chegamos aqui e encontramos aquele abraço, aquele ombro amigo, onde podemos desabafar. Posso estar desanimada, mas quando subo ao palco para cantar e tocar, é a realização de um sonho de juventude. Nunca pensei que ia ser aplaudida um dia. Isso para mim é viver". Sobre o Décor Solidário, Rosária é só elogios. "Uma decoração nova tem significado em cada detalhe. Aproveitar um espaço aprazível, poder sentar, ter um dedo de prosa, desfrutar de algo maravilhoso. Está tudo lindo, agradeço a cada um dos envolvidos", finaliza.
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