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Ecovilas são modelos sustentáveis e alternativas viáveis contra um possível colapso

Joana Gontijo
O bairro de Vauban, em Fribourg, na Alemanha, foi revitalizado e pensado dentro do conceito de sustentabilidade e consciência social - Foto: AFP PHOTO / FREDERICK FLORIN

O momento é crucial para considerar uma utilização mais racional dos recursos naturais, tratando a sustentabilidade em seus aspectos globais de importância econômica, social, cultural, ambiental, chaves para a continuidade da sociedade humana, em melhor harmonia com o seu habitar sobre a Terra. O atual panorama de desenvolvimento mundial resulta em uma incessante busca por alternativas para uma sociedade mais harmônica. Um movimento surgido nas décadas de 1960 e 1970, no Hemisfério Norte, como a Auroville, na Índia, e onde a Alemanha foi e é até hoje grande precursora, as ecovilas simbolizam a busca por um novo modo de vida e, diferentes das antigas comunidades alternativas, agora são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) como modelos de sustentabilidade. Em um número que já alcança mais de 15 mil no mundo, de acordo com a Rede Global de Ecovilas (GEN), maior entidade do setor, que tem associados no Brasil, abrigando entre 20 e 3 mil pessoas, elas demonstram que pequenas atitudes fazem toda a diferença.

"Elas primam pela diminuição dos impactos ambientais desde os processos construtivos até todo o tempo de vida da edificação, passando pela fase de alvenaria, telhados verdes e pisos, até o controle de emissão de poluentes e geração de lixo e esgoto, como fossa séptica que permite o reaproveitamento do lodo residual como matéria-prima para adubo nas plantações, que também é feito a partir da decomposição do lixo humano orgânico, devidamente separado. É todo um modo de viver ecológico que muitas vezes significa mudanças radicais, certamente valiosas", ressaltam os arquitetos Daniel Quintão e Frederico Prates, da O3L Arquitetura. Essas comunidades também seguem documentos socioambientais de referência, como a Agenda 21, resultado da Eco-92, realizada no Rio.

As ecovilas são modelos de assentamentos humanos sustentáveis, comunidades intencionais baseadas numa gestão ecológica que focaliza a integração das questões culturais e socioeconômicas como parte de um processo de crescimento compartilhado. "O respeito ao meio ambiente é buscado em vários níveis: no social, de governança, decisão das ações, comemorações e tradições; na dimensão dos recursos, como serão construídas as casas, com impacto controlado, utilizando matéria-prima local (bioconstrução); de produção do próprio alimento; redes de troca entre os habitantes, cada um com uma função; tratamento de resíduos; utilização de energias renováveis (eólica, solar, aquecedor solar, forno solar, aquecimento e refrigeração, hidráulica, energia em combustão, bio-digestores); reuso de água", destaca o arquiteto fundador do Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (IPEMA), Marcelo Bueno. Elas normalmente são gerenciadas por um conselho responsável pela organização participativa e a tomada de decisões que permitem o desenvolvimento orgânico das atividades e projetos comunitários. Muitas têm buscado a utilização de técnicas modernas, a criação de novas tecnologias e a combinação com velhos conhecimentos.

Funcionando em Ubatuba em uma área de 25 alqueires de Mata Atlântica pouco tocada, desde 1999, o IPEMA tem capacidade para receber 20 pessoas. Utiliza a permacultura como a ferramenta para criar o planejamento, os projetos e o design sustentável com a proposta de ser uma ecovila. Construções em terra crua, banheiros secos onde os dejetos humanos são reaproveitados para adubo em plantações, energia gerada por microturbinas e paineis fotovotaicos, emissão zero de lixo e produção independente de alimentos são apenas alguns dos fatores que demonstram esse modo de vida mais integrado com o meio
. "Estamos chegando a um ponto próximo de um colapso mundial de esgotamento de recursos. A grande importância das ecovilas é ser um exemplo real que pode ser replicado em bairros, comunidades, favelas, e até cidades grandes, como uma estratégia fundamental de sustentabilidade e resiliência", continua Marcelo Bueno.

Na Índia, a meta da Auroville é se tornar uma cidade autosuficiente para 50 mil habitantes - hoje são cerca de 2 mil. Outro exemplo é Damanhur, no norte da Itália. Com mais de mil moradores de diversas nacionalidades, Damanhur tem Constituição e unidade monetária próprias, além de um jornal diário, escolas e uma universidade "livre". Os arquitetos Daniel Quintão e Frederico Prates também citam o bairro ecológico Vauban, em Fribourg, na Alemanha, revitalizado há alguns anos, onde são utilizados mecanismos de reaproveitamento de água pluvial, iluminação e ventilação naturais, brises, compostagem de resíduos orgânicos, coleta seletiva, placas coletoras de energia solar, tetos verdes sobre algumas edificações.

Outra região revitalizada em Zurique, Oerlikon, era uma antiga área de galpões industriais que foi transformada em área residencial. No Brasil, além do IPEMA, eles destacam o Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado, em Pirenópolis (GO), fundada há 11 anos, onde estão cerca de cem famílias. "As mudanças partirão mesmo das ações individuais. No Brasil, por exemplo, o clima tropical dá todas as condições favoráveis para esses tipos de estrutura. O problema é a falta de informação, que não deixa crescer a demanda, o que esperamos que mude rapidamente", completam.

"As ecovilas estão espalhadas pelo mundo todo. A rede global GEN é uma excelente referência, pois lá se encontram grande parte das ecovilas e comunidades existentes no mundo
. A cada dia que passa esse movimento fica mais forte, já é possível observar que a busca por uma qualidade de vida melhor e mais saudável está aumentando e as ecovilas acabam por se tornar modelos e referências desse estilo de vida. Essa tendência deve aumentar cada vez mais. No Brasil já existem diversas ecovilas. A formação delas é extremamente importante, pois é um exemplo de que o consumo desenfreado não traz qualidade de vida para ninguém. Voltar a priorizar o consumo local é uma forma de incentivar a economia local e consequentemente o convívio social", acrescentam a turismóloga e permacultora Ludmila Carvalho e o bioarquiteto e permacultor Cristóvão Laruça, diretores da Padrões Naturais Soluções Sustentáveis.

VIDA NOVA
A aposentada Rejane de Oliveira mora em um modelo de ecovila, e diz que não abre mão do contato com a natureza - Foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press
Para tornar essa cultura mais enraizada no dia a dia, eles acreditam que é preciso focar nos exemplos de pessoas que já fizeram essa transição. "Participar de cursos, visitar ecovilas e conversar com pessoas que vivem de forma mais sustentável é extremamente importante. A busca por informações é fácil, pois hoje tudo está na internet, porém a mudança real de hábitos requer um compromisso pessoal e muitas vezes é bom ter pessoas acompanhando esse processo e facilitando as mudanças". Já existem ecovilas urbanas e isso mostra que o movimento não está restrito às zonas rurais, destacam Ludmila e Cristóvão. "Há também o movimento Transition Tows (Cidades em transição). Em resposta ao duplo desafio do Pico do Petróleo e da Mudança Climática, algumas comunidades pioneiras na Grã-Bretanha, Irlanda e outras localidades assumiram uma abordagem integrada e inclusiva para reduzir suas pegadas de carbono e aumentar sua capacidade de resistir à mudança fundamental que acompanhará o Pico do Petróleo. Todos esses conceitos e alternativas são passados principalmente através de cursos, workshops e vivências. A mudança de paradigmas e hábitos não é fácil e deve ser realizada de forma que a pessoa internalize isso da forma mais harmoniosa possível".

A aposentada Rejane de Oliveira, de 69 anos, mora há dez no Vale das Borboletas, em Caeté, que tenta funcionar como uma ecovila. Apesar de ainda incipiente, já existe a preocupação com o lixo, alimentação própria e orgânica, bioconstruções, revestimentos naturais (a casa de Rejane é pintada com terra), permacultura, além de projetos com crianças para o ensino dos preceitos da sustentabilidade. "O convívio aqui é totalmente diferente do que na cidade. As pessoas que vêm de fora facilmente percebem esta nova energia, esta motivação diferente. É tudo o que eu queria. Não sinto falta de nada que tem na cidade. Descobri como é bom viver em silêncio e em contato com a natureza, faço tudo aqui. Tudo é uma alegria", comemora.