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Na ponta do lápis

Planejamento evita que compra da casa própria vire um problema de difícil solução

Entre as despesas envolvidas entram até mesmo gastos com mudança para o imóvel e reformas

Júnia Leticia
Especialistas afirmam que a maioria das pessoas não toma os devidos cuidados quando compra ou financia um imóvel - Foto: Eduardo de Almeida/RA Studio

Para a maioria dos brasileiros, a compra da casa própria precisa ser realizada recorrendo a um financiamento. Mas não é raro ocorrerem descontroles que levam a um desequilíbrio nas finanças, acarretando o pagamento de juros e até mesmo comprometendo a quitação do bem.

A fim de evitar que isso ocorra, é preciso organização, como alerta o presidente da Associação dos Mutuários e Moradores de Minas Gerais (AMMMG), Sílvio Saldanha, que aponta os erros mais comuns cometidos por quem recorre ao crédito imobiliário. “Atualmente, as pessoas que apresentam dificuldades ou problemas com a aquisição da casa própria são aquelas que compraram pela emoção, pelo impulso, sem planejamento financeiro”, afirma.

Ricardo Maurício, advogado do escritório Brettas & Reis, observa que a maioria das pessoas não tem a devida cautela quando compra ou financia um imóvel. O primeiro passo, segundo ele, é o planejamento. “As pessoas devem ter consciência de que estão contraindo uma dívida a ser paga em um longo prazo, com a incidência de juros, correção monetária e outras taxas. Por isso, deve-se verificar se a prestação cabe no orçamento familiar, contando ainda com a possibilidade de imprevistos, como a perda do emprego, entre outros”, aconselha.

O professor Cleidson Silva é uma das pessoas que foram surpreendidas com gastos com os quais não contava quando adquiriu seu apartamento no Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, há sete anos. “Dei uma entrada com meu FGTS e outra na promessa de compra e venda. Só que não me preparei para as demais despesas, como reformas, mudança e taxas. Aí, tive de pegar empréstimos no banco e com familiares e somente há pouco tempo consegui me reequilibrar financeiramente”, conta.

CRÉDITO

"Dei uma entrada com meu FGTS e outra na promessa de compra e venda. Só que não preparei para as demais despesas" - Cleidson Silva, professor - Foto: Eduardo de Almeida/RA StudioMas o advogado Ricardo Maurício chama a atenção para outro cuidado, que, por vezes, é esquecido. De acordo com ele, em algumas situações o contrato de promessa de compra e venda é assinado sem que a pessoa saiba se vai conseguir o crédito bancário, o que pode acarretar transtorno, uma vez que há previsão de multas. “Por fim, há casos em que o banco cobra uma taxa de juros elevada e o sistema de amortização da dívida não permite que o débito seja reduzido com o tempo, gerando uma dívida impagável.”

Entre os motivos para que esses erros ocorram, Sílvio Saldanha cita as condições de compra no mercado, associadas à facilidade de crédito e ajuda de programas do governo, que permitem adquirir imóveis na planta sem entrada, com subsídio governamental e taxas de juros baixíssimas
. “Isso é muito convidativo. O consumidor só planeja o curto prazo e ignora que aquela dívida pode perdurar por décadas”, lembra.

As dificuldades para fazer uma análise técnica do contrato de financiamento assinado com a instituição financeira também podem levar a erro. “No momento do financiamento, o consumidor está em situação desprivilegiada em relação ao banco, tanto técnica quanto economicamente, quando concorda com cláusulas contratuais sem saber seu verdadeiro conteúdo, pois é leigo no assunto.”

Compra sem segredo
Para adquirir o imóvel dos sonho, o consumidor, geralmente, tem que recorrer ao crédito bancário. Para não correr riscos, o ideal é contar com a ajuda de especialista

Cautela, busca de informações, organização financeira, planejamento e consultoria com especialistas. Esse é o conjunto de fatores apontados pelo presidente da Associação dos Mutuários e Moradores de Minas Gerais (AMMMG), Sílvio Saldanha, para evitar transtornos no que se refere à obtenção de crédito imobiliário. Seguindo à risca essa receita, é possível fazer a melhor escolha na hora de comprar o imóvel.

O advogado Ricardo Maurício destaca a importância de se cercar de cuidados antes de assinar um contrato de financiamento imobiliário. “Com a ajuda de um especialista, recomenda-se fazer um cálculo para escolher o melhor plano de financiamento e que caiba no bolso.”

A orientação é que se consulte um advogado especialista no ramo imobiliário antes da assinatura do contrato, para que haja a prevenção de eventuais ilegalidades. “Financiar um imóvel é uma das decisões mais difíceis que uma pessoa pode tomar, pois envolve uma série de detalhes. Se a pessoa não for bem assessorada, poderá estar tomando uma atitude temerária, colocando em risco o patrimônio de uma vida”, diz Ricardo Maurício.

Ele recomenda que seja evitado, por exemplo, o sistema de amortização de dívida regido pala Tabela Price, “que inclui cobrança de juros sobre juros, prática ilegal segundo a legislação vigente. Nesse caso, deve-se optar pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), no qual os juros são reduzidos com o tempo e sempre uma parcela igual da dívida é quitada.”

O advogado Ricardo Maurício aconselha fazer um cálculo para escolher o melhor plano de financiamento e que caiba no bolso - Foto: Eduardo de Almeida/RA StudioSegundo o advogado, tudo deverá ser analisado: sistema de amortização, correção monetária, juros, outras espécies de taxas, seguro, entre outros
. “Deve-se, também, elaborar um cálculo de evolução do financiamento para verificar determinadas desproporções ao longo do tempo. Esse trabalho deverá ser aliado a um planejamento financeiro por parte de quem compra para que o consumidor possa se cercar de todos os cuidados necessários à efetivação do negócio”, orienta Ricardo Maurício.

Outra informação importante se refere aos requisitos necessários para se ter acesso ao crédito. “A maioria dos bancos, nos contratos de financiamento imobiliário, exige que pelo menos 20% do valor total financiado seja pago à vista. Além disso, o consumidor deve limpar seu nome nos órgão de proteção ao crédito para seu financiamento ser aprovado.”

Se o imóvel estiver pronto, é necessária uma parcela razoável de entrada. No caso de compra na planta, além de ter de arcar com despesas de moradia até que o imóvel fique pronto, há os pagamentos que devem ser feitos para a construtora, como lembra Sílvio Saldanha.

Para que o crédito obtido – e, consequentemente, os juros – com a instituição financeira seja o menor possível, o conselho de Ricardo Maurício é que seja dada uma entrada com o maior valor possível. “O consumidor deve verificar se a prestação paga não compromete em mais de 35% o orçamento familiar”, acrescenta.

NEGOCIAÇÃO

Tomados esses cuidados, o próximo passo é pedir a um advogado que faça uma análise jurídica do contrato, para averiguar a existência de cláusulas abusivas, capazes de onerar exageradamente o consumidor. “Além disso, há que se fazer um cálculo minucioso e detalhado sobre a evolução do financiamento ao longo do tempo, para verificar a existência de alguma ilegalidade embutida nas prestações.”

Seguir essas orientações é de suma importância para que o mutuário não corra o risco de não conseguir pagar a dívida. “Segundo a legislação vigente, a inadimplência de três prestações do financiamento já é suficiente para a penhora e leilão do imóvel pelo banco. Por isso, caso o mutuário verifique que não terá condições de arcar com o pagamento das parcelas, poderá procurar o banco e propor um plano de refinanciamento”, diz Ricardo Maurício.

Apesar de essa ser uma solução amigável, pode não ser a melhor, pois o banco incrementará a cobrança de juros por meio desse aditivo contratual. “Em muitos casos, devido aos abusos perpetrados, deve-se buscar judicialmente a revisão do contrato para a adequação das parcelas.”

Ricardo Maurício informa que, mesmo que o imóvel esteja em leilão, há meios judiciais de anulá-lo ou impedi-lo de ocorrer. Isso porque, de acordo com o advogado, o processo que leva o bem a leilão não é legítimo. “Os bancos se utilizam da chamada execução extrajudicial, procedimento considerado ilegal pela Justiça.”

Para se chegar a um acordo, Sílvio Saldanha aponta como caminho ouvir todos os lados envolvidos: “O agente financeiro ou construtora que efetuou a venda/financiamento do imóvel para apurar alguma proposta ou solução e um profissional do direito que entenda dessa área. Assim, apresenta-se as opções administrativa e a judicial para sanar o problema.”

Para quem pretende comprar um imóvel

» Saiba onde está pisando
Não importa se o imóvel é novo ou usado. O mutuário deve checar a construtora e a imobiliária que intermediam a compra. O comprador tem o direito de pedir toda a comprovação de que o imóvel está legalmente registrado e com as obrigações em dia.

» Veja se o imóvel cabe no seu bolso
Dar o passo maior que a perna pode ser uma porta aberta para a futura inadimplência. Portanto, analise se o imóvel cabe no seu bolso. Para isso, a prestação mensal não deve passar de 35% da renda familiar.

» Guarde mais, financie menos
De acordo com consultores financeiros, o mutuário deve ter um terço do valor do imóvel para dar de entrada antes de pensar em contratar um financiamento. Assim, poderá encurtar o prazo da operação e reduzir a quantidade de juros a pagar.

» Compare bem as taxas de juros
As taxas de juros podem variar bastante de banco para banco. Por isso, é bom que o consumidor fique atento: faz muita diferença, por exemplo, pagar uma taxa de 9% para o banco A e de 12% para o banco B. Nesse caso, o cliente da instituição A pagará 25% menos que o mutuário que escolher a instituição B.

» Lembre-se das taxas
Não basta ter dinheiro apenas para pagar o financiamento. É preciso lembrar que existem custos com a transferência de propriedade do imóvel e também para o pagamento de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

» Escolha o imóvel que você precisa
Analistas de mercado de imóveis dizem que o comprador deve imaginar sua vida num prazo de oito anos: dentro de alguns anos, vou estar casado, formar família, vou trabalhar na mesma área? É com base nessa perspectiva de mais longo prazo, e não nas necessidades imediatas, que a decisão de compra deve ser tomada.

Fonte: Ewerson Moraes, professor de finanças da Faculdade IBS/FGV