Especialista afirma que um tipo mais eficiente de isolante acústico teria evitado a tragédia na Boate Kiss

Engenheiro mostra que há disponíveis diferentes tipos de materiais usados para tratamento acústico, como um que não reage ao fogo, e diz que empresários muitas vezes preferem investir em soluções caseiras e baratas

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postado em 02/02/2013 11:17 / atualizado em 02/02/2013 13:00 Joana Gontijo /Lugar Certo
Pista de dança com parte do teto em casa noturna na Savassi, em BH, com tratamento acústico que não utiliza material inflamável - Maria Tereza Correia/EM/D.A Press Pista de dança com parte do teto em casa noturna na Savassi, em BH, com tratamento acústico que não utiliza material inflamável

Depois do triste acontecimento na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, no último domingo, muito se fala sobre o que poderia ter causado tamanha tragédia. Apesar de, até agora, ainda serem precisos argumentos mais conclusivos para chegar aos reais motivos do ocorrido, a questão acerca de qual teria sido a origem do incêndio está muito relacionada ao tipo de material usado para o tratamento acústico da casa de show, a partir de onde as chamas teriam se propagado, e ainda gerando uma fumaça extremamente tóxica. O Lugar Certo ouviu um especialista nesta área, e ele afirma que medidas simples em relação ao revestimento isolante usado na boate poderiam ter minimizado a proporção ou até evitado o acidente.

O engenheiro mineiro e especialista em tratamento acústico João Edson Carvalho, da Dbest Engenharia Termo Acústica, explica que o mercado já dispõe de materiais isolantes seguros, mas que grande parte dos empresários ainda não tem consciência ou não querem investir em soluções eficientes. Segundo o engenheiro, o isolamento acústico é obrigatório por lei em ambientes com incômodo sonoro ou perturbação ao sossego, como casas noturnas e espaços para eventos, e há duas opções em contenção sonora conforme cada tipo de ambiente e situação. “Os materiais de conforto acústico, como placas de isopor e espumas do tipo caixa de ovo, não atuam com grande eficiência, já que servem apenas para oferecer comodidade sonora ao minimizarem os efeitos dos ruídos. Contudo, devido ao grande potencial inflamável, esses equipamentos precisam ser revestidos de chapas metálicas, lã de vidro ou alvenaria, cuidados não observados e que propiciaram a tragédia no Rio Grande do Sul”.

João Edson ressalta que, na Boate Kiss, o isolamento acústico, conforme o divulgado, foi feito de maneira inadequada, com a utilização de isopor entre placas de gesso. “Como não haviam resolvido o problema com o incômodo sonoro dos vizinhos, os proprietários assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) comprometendo-se a resolver a questão do barulho e da perturbação ambiental. Novamente, a boate usou material inadequado. A espuma acústica que vimos em imagens de TV, em fotos divulgadas em jornais e pela internet, não é eficiente no bloqueio do ruído e ainda é tóxica e com alto poder inflamável. Se os proprietários tivessem procurado por empresas especializadas, esse item certamente seria barrado”, frisa.

Dos diversos tipos de materiais para isolamento sonoro disponíveis no mercado, a espuma usada da boate gaúcha era a mais perigosa e ineficiente, continua João Edson. O produto foi feito à base de poliuretano, componente que pega fogo facilmente e ainda gera pingos incandescentes, que, em contato com a pele, podem provocar queimaduras graves. Em caso de incêndio, a fumaça tóxica liberada restringe o campo de visão e bloqueia as vias respiratórias. “A espuma de poliuretano usada na Kiss é muito perigosa. Ela necessita de aplicação de retardantes a chamas que também controlam a emissão de gases e fumaça. Era tudo que precisava ser feito para evitar o incêndio, ou ao menos por um tempo suficiente para que as pessoas saíssem do local”.

Os preços da implantação de um projeto acústico variam de acordo com os materiais especificados, com conhecimento técnico, chama a atenção João Edson. Ele lembra que, quando não existe tal conhecimento, o planejamento muitas vezes é feito por tentativa e erro, normalmente buscando soluções mais caseiras e baratas. “Normalmente, pensa-se que isolamento acústico é caro porque ele surge de uma reclamação de um vizinho ou de um colaborador. O empreendedor invariavelmente associa esta situação a um prejuízo financeiro. Falando apenas em valores médios do metro quadrado de espumas, a usada na boate custa em média R$ 40. Já a espuma microcelular a base de melamina, que não reage ao fogo, tem valor aproximado de R$ 98”.

Para o profissional, é revoltante pensar que acidentes desse tipo poderiam ser evitados se as casas de shows adotassem as normas de segurança indicadas na legislação. De criação alemã e já fabricada no Brasil, a espuma microcelular a base de melamina, citada pelo engenheiro, atua como bloqueador de calor em caso de princípio de incêndio, emite pouca fumaça e ainda retarda os efeitos voláteis dos demais elementos estruturais. A espuma apresenta resultados tão favoráveis que já é usada em ambiente altamente perigosos, como plataformas de petróleo e refinarias, com a importante vantagem de resguardar muitas vidas.

RESPONSABILIDADE

O profissional responsável pelo projeto acústico de um ambiente, seja ela comercial ou residencial, é o engenheiro que, não tendo conhecimento específico da disciplina, deverá contratar um profissional especialista, capacitado para tal, salienta João Edson. “Na minha opinião, na Boate Kiss, a economia de recursos financeiros ou até mesmo a indisponibilidade deles fizeram com que se optasse por materiais mais baratos porém que, por falta de conhecimento técnico, não eram aplicáveis àquele ambiente. Creio que o responsável tenha sido 'pressionado' para resolver logo o problema, em função do TAC. Tudo leva a crer que ele não tinha conhecimento específico, embora Santa Maria conte com uma das melhores escolas de engenharia acústica do Brasil”.

O engenheiro João Edson Carvalho explica que o mercado já dispõe de materiais isolantes seguros, mas que grande parte dos empresários ainda não têm consciência ou não querem investir em soluções eficientes - Zoom Comunicação/Divulgação O engenheiro João Edson Carvalho explica que o mercado já dispõe de materiais isolantes seguros, mas que grande parte dos empresários ainda não têm consciência ou não querem investir em soluções eficientes
Na opinião do especialista, o fato de que muitos empresários não investem em soluções mais eficientes neste quesito é um aspecto interessante. “Ninguém nunca questiona a composição de um tijolo, ou de qual pressão um tijolo suporta sem quebrar, por exemplo. Entretanto todos querem opinar quando o tema é ruído, só que sempre no sentido de buscar algo 'mais em conta'. Invariavelmente, encontramos empresários na área de casas de shows e eventos que fazem investimentos altos em equipamentos de som para depois não ter verba para o isolamento do ruído causado por tais equipamentos. Alguns chegam a sugerir a colocação do pente de ovos, tão somente pela forma geométrica da espuma acústica”, alerta João Edson.

O profissional elucida que existem ambientes com áreas abertas onde não há qualquer risco de combustão e por isso não há necessidade de tomar muitas precauções com o tipo de material para tratamento acústico, entretanto, em locais fechados e com menor controle, a especificação técnica deve orientar para materiais (ou composição de materiais) resistentes a chamas. “Os materiais corretos não são usados porque pessoas não capacitadas dão opiniões erradas, sem conhecimento técnico, sem responsabilidade técnica, sem sequer conseguir diferenciar os materiais que são usados para controle do ruído dos que são próprios para conforto acústico”.

Segundo João Edson, para o empreendedor é preciso planejar e investir de fato, contratando profissionais especializados. “O isolamento acústico por si não deve interferir na segurança do ambiente em caso de necessidade de rápida evacuação. Anteparas formando biombos acústicos nas portas devem obedecer regras de acessibilidade, portas acústicas com barras anti-pânico são devidamente normalizadas. O planejamento é fundamental”.

Um revestimento para cada situação

Os diferentes tipos de isolamento acústico são especificados em função das características do ruído que se quer controlar, bem como do ambiente em que será aplicado, explica o engenheiro João Edson Carvalho. Esta forma de tratamento acústico é usada amplamente em ambientes industriais, mineradores, siderúrgicos, em fundições, casas de shows, igrejas, para isolamento de pisos entre andares de prédios residenciais e comerciais, janelas acústicas (anti-ruído), entre outros. “Normalmente, são especificados materiais que formem o composto 'massa-mola', excelente método para redução de energia quando se precisa de bloqueio efetivo. O isolamento acústico se diferencia em relação aos materiais em função da frequência (alta, média ou baixa) característica do ruído que ser quer controlar. Alguns materiais são melhores em uma faixa de frequência e não tem qualquer utilidade em outra”.

Testemunhas que estavam na Boate Kiss afirmam que o fogo começou durante o show pirotécnico da apresentação da banda Gurizada Fandangueira. O material de isolamento acústico do prédio incendiou e a fumaça intoxicou as vítimas - Germano Roratto/Ag. RBS/Folhapress Testemunhas que estavam na Boate Kiss afirmam que o fogo começou durante o show pirotécnico da apresentação da banda Gurizada Fandangueira. O material de isolamento acústico do prédio incendiou e a fumaça intoxicou as vítimas
Mas a espuma acústica é uma só, frisa o engenheiro. As de poliuretano recebem em sua massa aditivos de retardância a chamas, que melhoram sua performance quanto à segurança ao fogo, reduzindo a velocidade de propagação, conforme ensaios de laboratório. “Entretanto, os ensaios em geral não conseguem reproduzir situações reais de incêndio, razão pela qual é necessário conhecer legislações específicas de cada município e estado quanto à utilização de materiais de revestimento e produtos de acabamento na construção civil. Vale a pena lembrar que cortinas, sofás, carpetes, também devem ser revestidos com o aditivo de retardância a chamas, o que não foi obedecido na Boate Kiss. O resultado foi uma combinação trágica”.

No entender o especialista, ainda que a espuma acústica fosse inadequada para aquela situação, a tragédia teria sido evitada se as pessoas envolvidas na organização do evento estivessem treinadas para orientar em caso de pânico, se o sistema de extinção de incêndio estivesse ativo, se as rotas de fugas e saídas estivessem visíveis e se a rota de fuga fosse compatível com a lotação do ambiente. “Ainda que houvesse o incômodo sonoro à vizinhança (o estabelecimento poderia ser multado ou até fechado), centenas de jovens não teriam perdido a vida”, finaliza.
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João - 02 de Fevereiro às 15:02
E triste e revoltante saber que morreu tanta gente por motivos tão fáceis de se evitar. Mas o que explica as irresponsabilidades diárias no transito no Brasil?

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