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O verde em arte

Paisagista cria jardim sensorial que desperta as mais diferentes emoções

Instalação está em exposição em Campinas até sábado

Joana Gontijo
- Foto: Raul Cânovas Paisagismo/Divulgação

Não apenas a estética, mas o sentimento. Não só o belo, e sim a emoção, ainda que, no início, desconfortável. Um jardim instalado em Campinas desde terça-feira, como parte das comemorações dos 38 anos do Ceasa, foi concebido para provocar as mais diferentes sensações. Com projeto do paisagista argentino Raul Cânovas, residente no Brasil há 42 anos, a ideia do jardim sensorial lança mão de sons, cheiros, texturas, cores, imagens e sabores para aguçar o que está dentro das pessoas, com uma proposta um pouco mais aprofundada.

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O Jardim dos Sentidos, como foi batizado, pode despertar emoções que vão de uma incômoda tristeza ao prazer absoluto, como se o corpo fosse abandonando toda a tensão inicial para, enfim, relaxar e se conectar com a natureza, alcançando alívio físico e espiritual, conta Raul. Também muito ligado à percepção de pessoas que apresentam deficiências físicas, o local foi planejado para tocar, cheirar, escutar, experimentar, em um espaço preparado para receber visitantes com estes tipos de No início, o jardim é escuro e tem uma trilha sonora triste, em um ambiente um tanto quanto hostil - Foto: Raul Cânovas Paisagismo/Divulgaçãoproblemas. “Eu tenho uma noção diferente de deficiência física. Acredito que qualquer pessoa tem uma deficiência e, os que aparentemente são assim, na verdade são muito mais eficientes que os considerados normais. Quem não pode enxergar, tem a possibilidade de tocar e sentir o jardim, quem não pode escutar, pode olhar e mexer”, ressalta.

De acordo com Raul, o conceito mais corriqueiro de um jardim sensorial passa, por exemplo, pelo uso de ervas aromáticas com cheiros agradáveis e sempre suaves, mas não era isso o que ele procurava. Além dos aromas, outros elementos integram a experiência deste jardim que não foi feito apenas de boas sensações. “O objetivo é que o visitante abandone, pouco a pouco, a razão, e encontre os sonhos que fabricam as sensações
. Descobrir, ao invés de se gosta ou não do jardim visualmente, como está se sentindo”, salienta.

Para desafiar o visitante, na entrada o jardim é escuro, predominantemente em preto, com piso em pedra britada e carvão, biombos revestidos com papel de lixa, toca uma música entristecida. O caminho é amplo, facilitando o acesso de cadeirantes, totalmente reto e com ângulos acentuados. Plantas pontiagudas com folhagens escuras próximas ao tom de vinho, berinjelas pretas e amargas, e um aroma de arruda, não muito prazeroso, compõem o começo do trajeto, projetado assim propositadamente. “Nesta parte, o visitante pode perceber uma certa angústia em um ambiente não muito receptivo, mais áspero e agressivo”, descreve Raul.

O espaço de transição começa a ficar mais iluminado, com uvas e heras que remetem a alegria e fertilidade - Foto: Raul Cânovas Paisagismo/DivulgaçãoAos poucos, os espaços vão ficando mais agradáveis. Seguindo o percurso, uma área de transição aparece em cores mais claras e mais iluminada, com cachos de uvas e heras que remetem a alegria e fertilidade, onde o passeio fica mais suave e se desenha em algumas curvas. O amarelo e o verde substituem o preto nos pilares e nos vasos, e o aroma é melhor, ainda que não doce. O cheiro lembra o limão, transmitindo um tom de limpeza e frescor.

Finalmente, o terceiro e último ambiente do jardim é alcançado, aumentando o efeito sensorial
. “Aí, todas as linhas retas são abandonadas, e surge um desenho orgânico e sinuoso, onde plantas e flores oferecem perfumes agradáveis. A música é bonita, em tom barroco. Uma reprodução da árvore melaleuca feita com as cascas em textura parecida com a pele humana, muito macia, simboliza a afetividade, a importância de ter carinho, amor e paixão para oferecer”, exalta o paisagista. Nesta área do jardim, a fluidez da água e do vento conversa com a completa luminosidade. Colunas brancas, biombos revestidos com cascas claras e macias de árvores, se harmonizam com a folhagem em verde bem claro, onde estão alguns nabos brancos e muitas margaridas. O cheiro doce finaliza o ciclo do jardim sensorial.

No último trecho do jardim, muita luz e claridade, com bela música barroca e o abuso de margaridas: perfumes agradáveis e formas orgânicas finalizam o ciclo sensorial - Foto: Raul Cânovas Paisagismo/Divulgação“Na minha opinião, o jardim não é um local apenas para ser contemplado, mas sim para adentrar de corpo e alma. Tirar o sapato, sentir o aroma, saborear uma fruta, ouvir o barulho do vento que atravessa os bambus. Um espaço para abandonar a racionalidade e perceber como é bonito viver”, diz Raul. Para o paisagista, este jardim representa uma necessidade da sociedade contemporânea de ser mais afetiva, em contraposição a uma paisagem urbana que, repleta de concreto, aço e vidro, passa a ideia de frieza, na maioria das vezes. “Sentar perto de uma árvore onde o pássaro pousa tira esse sentimento de dureza”, frisa. “O jardim aparece, então, como uma promessa, um lampejo de esperança, onde a tristeza inicial se configura apenas como um momento que se atravessa, e caminha para tempos melhores, que se aproveita ou não. É a ideia de que, na frente, a luz é muito maior. É como o conceito do Paraíso, do Jardim do Éden, de onde viemos e para onde queremos voltar. Ao reproduzir jardins na Terra, há que se ilustrar essa promessa”, complementa.

O processo de construção do jardim começou na quinta-feira da última semana com o apoio de uma equipe disposta e eficiente, dentro da qual Cânovas exalta a participação das parceiras Alice Izumi e Fabiana Santiago, além de João Jadão, presidente da Associação Nacional de Paisagismo (ANP), de quem surgiu o convite. Apesar de ser uma proposta mais conceitual, o paisagista afirma que este tipo de jardim pode ser feito em projetos residenciais, desde que se tenha disponível um bom espaço, e na área externa.

Já nos dois primeiros dias de exposição, o jardim sensorial já havia sido visitado por cerca de 1,3 mil pessoas. Estudantes, atendidos de entidades assistenciais como idosos, crianças e pessoas com deficiência, além dos frequentadores habituais do Ceasa, estão entre as pessoas que puderam apreciar a obra. A instalação fica aberta até este sábado, dia 13, no Ceasa Campinas.