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Preço acima do teto

Construtoras enfrentam entraves e 'Minha Casa, minha vida' está parado em Contagem

Especialistas do mercado consideram que o programa habitacional do governo federal passa por problemas na cidade em decorrência da falta de terrenos e do valor desatualizado

Paula Takahashi
- Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

O programa Minha casa, minha vida está com os dias contados em Contagem, na Grande BH. Com terrenos cada vez mais valorizados e custo de mão de obra e material em alta, as construtoras reconhecem que já não conseguem mais enquadrar os novos imóveis ao limite de R$ 145 mil estipulado pelo governo. O valor foi reajustado pela última vez em outubro de 2012, mas empresários e imobiliárias garantem que o limite já está desatualizado, sendo necessário nova ampliação. Somente elevando o teto, será possível retomar projetos na cidade.

“Um apartamento de 60 metros quadrados hoje custa entre R$ 180 mil e R$ 200 mil, muito acima do limite estabelecido pelo programa”, afirma o diretor técnico da Quintão Imóveis, José Roberto Gomes Romero. Para o caso dos apartamentos de dois quartos e 45 metros quadrados, padrão próximo ao dos imóveis enquadrados no MCMV, os valores partem de R$ 155 mil, afirma o gerente comercial da imobiliária Sancruza Netimóveis Contagem, Sílvio Ricardo Nascimento.

De acordo com José Roberto, o grande entrave hoje são os terrenos disponíveis na cidade. “Dentro do nosso plano diretor, as áreas que podem atender ao programa estão com valores muito superiores à média.” As áreas de expansão também são reduzidas. “Metade do município está dentro da bacia de Várzea das Flores, que é uma área barata, mas que, por se tratar de uma bacia de abastecimento, não permite que os terrenos sejam fracionados”, explica José Roberto, ex-secretário de desenvolvimento urbano de Contagem no mandato de 2000 a 2004.

DIFICULDADES

Gerente de lançamentos da Sancruza Imóveis, Sílvio Ricardo diz que o que é lançado geralmente tem alta liquidez - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressCom as limitações, o que se encontra hoje são terrenos partindo de R$ 600 o metro quadrado, quando o ideal seriam valores próximos a R$ 400. “Além do teto para viabilizar uma obra no MCMV ser de R$ 400, ainda é necessário que a topografia não gere custos de terraplanagem. Se fugir muito disso, já não é interessante para a construtora”, afirma Sílvio que também prospecta terrenos para novos empreendimentos na cidade. E tem mais. O dono da área ainda tem que estar disposto a receber pagamento em permuta
. “As empresas pagam o terreno com unidades no prédio. Artifícios para enquadrar no valor”, observa Sílvio.

Diante de todos esses fatores, as oportunidades são cada vez mais escassas. O diretor da RG Imóveis, Hélio Souza, reconhece que ainda há alguma oportunidade nos bairros Sapucaia, na Região de Petrolândia, no Maracanã e Nacional. “Mas a oferta é baixa e vendemos tudo ainda na fase de obras”, afirma. É a oferta e demanda que vão definir os preços. “Em regiões muito afastadas, não é possível manter o preço no limite de R$ 145 mil do programa. Muitas vezes, é preciso adequar esse valor à área, o que significa valores em torno de R$ 120 mil a R$ 130 mil. Com isso, o terreno tem que ser ainda mais barato”, explica Sílvio. Considerando todas essas questões, está cada vez mais difícil fechar essa conta.

Por isso, as opções disponíveis nas imobiliárias praticamente não existem mais. “Este ano não tivemos nenhuma oferta dentro do programa
. Não havendo produtos que se encaixam nesse perfil, temos demanda represado no mercado”, afirma Sílvio. Há cerca de 10 meses foram comercializados os últimos imóveis com custo até R$ 145 mil, localizados no Bairro Nacional. “O que é lançado geralmente tem uma alta liquidez, sem contar a boa dinâmica de valorização”, acrescenta o gerente comercial da Sancruza.

Igualdade de benefícios
Construtoras querem que o mesmo limite aplicado para Belo Horizonte seja utilizado para Contagem, de forma a estimular novos empreendimentos no programa federal

Entre as maiores investidores nacionais do Minha casa, minha vida, a construtora MRV não oferece, desde meados de 2012, qualquer lançamento em Contagem que atenda os limites do programa habitacional. “Desde então, os imóveis se valorizaram muito e começamos a desenquadrar. Com isso, não conseguimos mais oferecer as vantagens do MCMV”, explica o diretor comercial da regional Belo Horizonte, Rodrigo Resende.

A empresa ainda mantém uma forte atuação na cidade, mas com imóveis acima da faixa de R$ 145 mil. “Vamos lançar agora 300 apartamentos no Bairro Fonte Grande com valor médio de R$ 170 mil”, afirma Rodrigo. As oportunidades partem de R$ 160 mil no Bairro Amazonas para versões de dois quartos e 45 metros quadrados. A cidade sempre foi vista pela MRV como um importante polo para expansão das ofertas dentro do programa do governo, mas a empresa reconhece que já não há mais possibilidade de viabilizar novas unidades.

A alternativa é migrar para outras cidades da Grande BH, entre elas Vespasiano. “Lá vamos colocar no mercado mais de 1 mil unidades este ano. Em Betim, serão outras 600”, estima Rodrigo. A expectativa é de que o governo federal não demore a atualizar os valores já defasados. “Estamos em tratativas com o governo, buscando a extensão do teto das metrópoles para a região metropolitana”, antecipa Rodrigo.

Atualmente, Belo Horizonte tem limite de R$ 170 mil para imóveis na faixa de renda três. A intenção é que cidades no entorno também passem a contar com benefício semelhante. “Em São Paulo isso já ocorre e no Rio também. Estamos pleiteando essa política para todas as capitais”, afirma o diretor comercial da MRV. Para ele, não há justificativa para que um imóvel na divisa entre BH e Contagem tenha diferenças tão expressivas no valor, sendo um limitado a R$ 170 mil e o outro a R$ 145 mil.
"No momento de lançamento será avaliada a média de valorização do imóvel naquela região" - Júlia Hubner, coordenadora de vendas da AP Ponto - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
A AP Ponto é uma das poucas construtoras que ainda vão anunciar novidades em Contagem dentro do programa. Segundo Júlia Hubner, coordenadora de vendas da empresa, estão previstos quatro lançamentos no próximo ano, todos dentro do MCMV. “Serão 128 unidades no Ponto Vivace, localizado no Bairro Nacional e mais 240 no Ponto Acácias, no mesmo bairro. Mais 96, no Bairro Alvorada, e 80 no Cabral”, enumera Júlia. Os terrenos foram negociados há cerca de um ano, o que pode justificar a viabilidade dos negócios. “Com a realidade de hoje, está cada vez mais difícil”, reconhece Júlia.

Nada garante, porém, que os empreendimentos lançados hoje dentro do Minha casa, minha vida, se mantenham enquadrados até a data de entrega das chaves. “No momento de lançamento será avaliada a média de valorização do imóvel naquela região. Se o nosso empreendimento estiver abaixo do preço de mercado, ele será desenquadrado do programa, para se enquadrar aos valores praticados na região”, alerta Júlia. A previsão é de que as torres de quatro pavimentos estejam prontas 24 meses a partir da data de lançamento. Se não houver uma agenda fixa de atualização dos valores por parte do Ministério das Cidades, até lá as empresas enfrentarão ainda mais dificuldades para dar sequência ao benefício oferecido pelo governo.

EM QUEDA

Prova de que o MCMV passa por um processo de desaceleração é dada pela Caixa Econômica Federal – instituição financeira responsável por operar o programa. Levantamento do banco revela que de janeiro e outubro deste ano foram entregues 144 unidades habitacionais em Contagem. O número representa apenas 2,6% do total de 5.596 apartamentos entregues desde 2009, quando a primeira versão do MCMV foi lançado.

Apesar dos resultados deste ano, a Caixa garante que o programa habitacional do governo está seguindo curso normal na cidade da região metropolitana. Pelo menos 2.630 unidades habitacionais (UH) estão sendo analisadas para a faixa de renda um (até R$ 1,6 mil) e 8,9 mil para a faixa dois (até 3,1 mil). A expectativa é de que nos próximos meses sejam entregues 652 unidades na faixa dois e 311 UH na faixa três.