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É preciso ser acessível

Investimento em acessibilidade nas construções ainda é tímido em Contagem

Norma de acessibilidade faz 10 anos e ainda requer avanços. Construtoras poucas vezes levam em conta diversidades

Luciane Evans
Roberto Henriques, gerente do Itaú Power Shopping, mostra nova rampa para cadeirantes: centro comercial fez adaptações seguindo um acordo com o Ministério Público Estadual - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
Apesar de o Brasil ter 45,6 milhões de pessoas com alguma deficiência física e uma população geral com expectativa de vida atingindo os 71,2 anos para homens e 78,5 anos para mulheres, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mercado imobiliário ainda caminha a passos lentos para atender esse público especificamente. Em todo o país, empreendimentos estão sendo construídos a cada momento. Porém, a inclusão dos conceitos de mobilidade nas obras para beneficiar portadores de deficiência física ou idosos ainda são tímidas, conforme criticam especialistas da área. Algumas construtoras abraçaram a causa, mas para outras a acessibilidade não passa do hall da entrada. Rampas, portas maiores e sistema em braile nos elevadores são alguns dos elementos que respeitam aqueles com limitações e propiciam a autonomia do morador ou usuário.

Contagem acompanha esse ritmo do país. São poucas as construtoras que apostam em uma construção acessível. Segundo o vice-presidente da Rede Netimóveis Contagem, Leandro Alves Barroso, as empresas do ramo na cidade estão seguindo as normas municipais de acessibilidade. “Aqui é obrigatório, por exemplo, elevadores em prédios acima de quatro andares. Mas, fora isso, ainda há um atraso nesse assunto”, critica.

Há atualmente no país muitas legislações voltadas para o assunto, que estão em vigor há pelo menos uma década. Para Heloísa Negri Vieira Viana, coordenadora do Grupo de Trabalho de Acessibilidade do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), o grande problema é que as normas, na maioria dos casos, não estão sendo cumpridas. “A lei de acessibilidade é federal, a NB 9050, e está valendo desde 2004.” Naquele ano, houve a publicação do Decreto 5.296/2004, que regularizou todas as outras já existentes e estabeleceu normas gerais e critérios básicos para a promoção dos portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida
. “Houve prazo para que as construtoras se adaptassem, mas, infelizmente, por falta de fiscalização, essa obrigação não está sendo posta em prática”, critica Heloísa.

Ela comenta ainda que, tanto em imóveis públicos ou privados, o problema é visível. “No caso dos prédios residenciais, qualquer pessoa tem o direito de chegar a um apartamento, seja por elevador, rampa ou corredor. Mas, dentro das casas, a lei não se aplica. Não se vê, por exemplo, imóveis com portas grandes, pela qual qualquer cadeirante não tenha dificuldades para passar. Muitos construtores acham que as adaptações podem aumentar custos, porém, o que se gasta com a acessibilidade é 1% do total da obra.

SHOPPINGS

Em Contagem, o ItaúPower Shopping, construído em 2007, firmou um termo de ajustamento com o Ministério Público Estadual e, nos anos seguintes, teve que refinar sua estrutura para se adequar às normas. “As regras evoluem ao longo do tempo e o ItaúPower Shopping teve o interesse de se adequar”, comenta o gerente de operações do Itaú, Roberto Henriques. Inaugurado em novembro de 2013, o Shopping Contagem diz atender todas normas. “Nossas entradas têm rampas, sinalização direcional e sinalização de perigo; os elevadores têm leitores em braile e comunicador interno; além disso, os banheiros contam com cabines individuais destinadas a deficientes e pessoas com mobilidade reduzida. O estacionamento tem vagas demarcadas para deficientes e para idosos”, diz o superintendente Eduardo Zucarel.

Oportunidade de negócios
Pensar em imóveis com melhor acessibilidade não deve ser apenas para cumprir a norma federal, mas uma preocupação do empreendedor em beneficiar um maior número de pessoas


Vagas de estacionamento para portadores de necessidades especiais devem constar em qualquer cidade, nas vias públicas, centros comerciais e condomínios - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press “Estamos avançando”, garante, otimista, o presidente e fundador da Associação dos Deficientes em Contagem, Maurício Alves Peçanha
. Cadeirante desde 2008, Maurício diz que há, na cidade, muitas coisas que precisam melhorar, tanto nos imóveis públicos quanto nos privados. “As construtoras têm que compreender que, além dos portadores de deficiências, a população está envelhecendo e tem limitações da idade.” Para especialistas, a realidade apontada por Maurício significa muito mais do que cumprir normas, mas uma oportunidade de negócio para o mercado imobiliário.

No ano passado, conforme o vice-presidente da Rede Netimóveis Contagem, Leandro Barroso, um cliente cadeirante procurou a rede para comprar uma casa em Contagem que pudesse ser adaptável à sua condição. “Buscamos um imóvel para o qual as adaptações não teriam um custo tão alto”, lembra. É nesse cenário que Leandro acredita que se uma construtora abraçar a causa vai atender uma demanda grande. “Muitos que precisam dessas facilidades serão atraídos a esses imóveis. É uma boa oportunidade de negócio”, diz.

Engenheiro Bernardo Polatscheck, da MRV, mostra rampa em obra - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressÉ o que defende também o arquiteto, especializado em acessibilidade, Eduardo Ronchetti. “A acessibilidade hoje no Brasil representa, sim, uma das grandes prioridades. Isso não é só devido ao assunto ser um dos objetivos do milênio da Organização das Nações Unidas, como do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que estabelece prazos de adaptação para cidades com mais de 20 mil habitantes, seguindo a norma de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 9050. Todos os novos condomínios devem apresentar a acessibilidade desde o projeto para obter o alvará, caso contrário, poderão sofrer penalidades.”

Na opinião de Ronchetti, a melhor acessibilidade está aumentando de forma gradativa, pois além de ser uma obrigação legal, “é uma ótima estratégia comercial para atrair uma grande fatia de consumidores, de mais de 45 milhões de pessoas no país.” Isso sem contar os atuais e futuros idosos. “O custo presente desde a elaboração do projeto é pouco se comparado com o valor das adaptações feitas no imóvel pronto”, observa.

Segundo a gestora de projetos da MRV Engenharia, Juliana Lopes, as normas variam entre as prefeituras. “Muitas não fazem nem menção a isso. É preciso considerar que a pessoa com deficiência pode não ser o morador, um parente ou visita ao imóvel. Então, as construções devem atender isso.” Para ela, o Brasil está engatinhando nesse tema. “Há muitas prefeituras focadas só no cadeirante, mas temos que pensar que há pessoas com problemas de visão, audição também.”

Governo dá exemplo

Desde 2012, o governo federal exige que todas as moradias do programa Minha casa, minha vida sigam um padrão de acessibilidade para pessoas com deficiência. Entre as exigências estão a instalação de portas com no mínimo 80cm de largura, maçanetas de alavanca, largura mínima dos banheiros de 1,5m e área de transferência para acesso ao vaso sanitário e ao box com previsão para instalação de barras de apoio e banco articulado. O programa exige também que interfones, interruptores e tomadas devam ser instalados a uma altura de 1m, para permitir o acionamento por cadeirantes.

Banheiros de áreas comuns devem ser pensados para todos - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressO programa, na visão do arquiteto Eduardo Ronchetti, é um exemplo a ser seguido. Nele, há um grau de detalhamento das exigências, como percentagens reais de adaptações, não só nas áreas comuns, como também em um percentual estabelecido para os apartamentos. “Um imóvel acessível é aquele que respeita a legislação e a norma de acessibilidade do país, aplicando-as desde a rua, seguindo pela entrada, áreas comuns até o apartamento ou residência.” Uma dica para a construção de um imóvel acessível, segundo ele, é contratar um arquiteto especializado que faça um projeto dotado de características que sigam a norma. “A prioridade seria possibilitar o acesso irrestrito de forma democrática. Os pontos mais importantes possibilitam o acesso ao banheiro, sala, quarto e cozinha com segurança, propiciando a autonomia do usuário ou morador”, defende.

O BÁSICO DO BÁSICO

Alguns cuidados básicos na hora de planejar o projeto do imóvel podem fazer a diferença quanto à questão da acessibilidade. Confira alguns pontos a serem observados:

Rampas - Em muitos edifícios, a fim de atender a legislação que prevê a instalação de elevadores ou rampas de acesso, muitos optam pelas rampas, construindo-as fora das normas da ABNT. Conclusão: os deficientes, muitas vezes, não têm força para vencer o percurso: ou é extenso demais, ou muito íngreme. As normas especificam um declíve de no máximo 8% e quando for longa, que haja locais para descanso. Rampas de ruas, de acesso às calçadas, devem estar devidamente desobstruídas de carros ou ambulantes. Para evitar maiores transtornas, a orientação é para que se opte pela instalação de elevadores ou plataformas de acessibilidade, dentro das exigências da ABNT.

Sinalização - Além das barreiras arquitetônicas, os deficientes, como os cegos, sofrem com o problema de comunicação. Elevadores mais antigos, por exemplo, não têm gravados nos botões o sistema braile. Isso dificulta ou impede que uma pessoa com deficiência visual tenha acesso sozinha ao andar desejado. No procedimento de reforma ou modernização dos equipamentosé preciso trocar painéis antigos pelos adequados.

Portas e banheiros - Outro erro comum é o do tamanho das portas e do planejamento dos banheiros.
A orientação é para que as portas tenham a largura adequada para a passagem de cadeirantes, além do cuidado com a altura de pias e vasos sanitários.

Barras de segurança e apoio - Devem ser instaladas em rampas, escadas e em banheiros de uso comum de um edifício (perto do vaso sanitário).