Ação cobra tesouro arrancado de Minas

Portal do século 18, entalhado em pedra-sabão e retirado de igreja histórica de São João del-Rei, é localizado em fazenda da banqueiro em SP graças a foto publicada em revista de decoração

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postado em 22/09/2008 13:57
"É impensável o patrimônio mineiro ser destruído e parte dele ser levado para adornar jardins em São Paulo" - Marcos Paulo Miranda, coordenador das promotorias de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de MG. Na foto, o pórtico já em demolição
Thiago Herdy

Graças a uma revista de decoração, Minas Gerais está perto de receber de volta um significativo fragmento de sua história. Nas páginas de uma antiga edição sobre casas de fazenda, integrantes da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais localizaram o portal entalhado em pedra-sabão do século 18, que pertencia à Igreja do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, de São João del-Rei, na Região Central do estado, criminosamente demolida em 1970.

A prova impressa na revista motivou os promotores a ingressar com ação civil pública pedindo a reintegração da relíquia à cidade de origem e proibindo a retirada da portada da fazenda, localizada em Campinas, até o fim do processo. Se os proprietários venderem a peça antes do julgamento, estarão sujeitos a multa de R$ 100 mil.

"É uma importante vitória da luta contra o esquecimento e pela memória. Se a portada voltar para São João, estaremos reparando, 38 anos depois, um grave crime cometido contra a cidade", comemora o presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei (IHG) , José Antônio de Ávila Sacramento. A briga pela portada foi uma das motivações para a criação do IHG, meses antes da demolição. Na época, mesmo tombada por outro instituto, o do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a igreja foi destruída a mando do padre Jacinto Lovato, que comercializou toras de madeira, retábulo e ornatos de pedra do templo, para arrecadar fundos e construir novo prédio.

Processo do MP, que mostra a portada na fazenda em Campinas, para onde foi levada pelo comprador - Reprodução/Página da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais Processo do MP, que mostra a portada na fazenda em Campinas, para onde foi levada pelo comprador

O maior tesouro da igreja a fachada principal foi vendida a um fazendeiro paulista por 5 mil cruzeiros, valor equivalente, hoje, a cerca de R$ 4,3 mil. A legenda da foto na revista em que a peça foi identificada enaltece a "face silenciosamente bela e mística das Minas Gerais" e destaca a "fé removida das igrejas ornadas por Aleijadinho para os redutos de São Martinho da Esperança", em referência ao nome da fazenda do banqueiro e colecionador de artes paulista Mário Pimenta Camargos, que morreu em 1996. O texto não deixa dúvidas quando fala do "pórtico em pedra-sabão trazido de uma Igreja de São João del-Rei para enriquecer uma capelinha dos anos 50, perdida em meio à vegetação". O Ministério Público ingressou com a ação depois que o serviço de inteligência visitou a fazenda e confirmou a localização da portada.

"A igreja foi demolida em uma época em que não havia preocupação em preservar o patrimônio. Ela não tinha o charme das igrejas do Centro, mais tradicionais", explica o promotor e curador do Patrimônio Cultural de São João del-Rei, Antônio Pedro da Silva Melo, um dos autores da ação civil pública. Representantes do IHG cobravam do Ministério Público providências em relação à portada havia pelo menos cinco anos. Silva Melo afirma ter ficado surpreso ao encontrar, entre os documentos referentes à demolição da igreja, uma carta do então dirigente do Iphan, Afonso Arinos de Melo Franco, dizendo não haver, ali, qualquer elemento de cunho artístico que interessasse à preservação. "Por ser desprovida de obras de arte conhecidas, a tratavam como uma igreja velha, em vez de histórica", afirma o promotor.

Autorizado pelo bispo da época a vender os bens da igreja para levantar fundos necessários à construção de um novo templo, o padre Jacinto Lovato não gostou dos protestos contra a demolição. Em carta enviada ao IHG, que estava à frente da briga, disse não aceitar "a intromissão de alheios à religião em assuntos de competência da mesma" e argumentou que as igrejas eram para "uso dos fiéis e não para serem contempladas como pura arte de construção". A carta foi lida pelo pároco em voz alta, na missa de domingo. "Mesmo criticado, o padre nunca se sensibilizou. Ele gostava de ver a igreja construída no lugar da antiga. Achava que era a glória", conta José Antônio Sacramento, para quem a volta da portada, "mesmo simples, virá carregada de muito simbolismo", em caso de vitória na Justiça.

Moradores e amigos do Bairro Matozinhos já demonstraram a intenção de construir um memorial com a portada, bem próximo ao lugar onde ela ficava no passado. Outra hipótese seria levá-la para o Museu de Arte Sacra de São João del-Rei, instalado no antigo prédio da cadeia da cidade. Atualmente, o lugar abriga mais de 200 peças dos séculos 17, 18 e 19. "A volta da portada pode motivar outras pessoas que sabem onde estão peças do patrimônio histórico de suas cidades a tentar buscá-las. Mesmo difícil, o processo vale a pena e serve de exemplo às novas gerações", afirma o presidente do IHG de São João del-Rei, José Antônio Sacramento. Denúncias do tipo podem ser feitas às promotorias de defesa do Patrimônio Cultural das cidades.

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