Designers correm São Paulo para ensinar catadores a transformar latinhas em mobiliário

Dupla de profissionais de Londres desenvolveu fundição móvel que gera alumínio derretido para ser moldado sobre elementos encontrados nas ruas. Coleção inclui bancos com estética natural e única

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postado em 15/11/2013 08:00 / atualizado em 15/11/2013 09:14 Joana Gontijo /Lugar Certo
Studio Swine/Divulgação

Na natureza, tudo está interligado e não existe o conceito de desperdício - nada se perde, tudo se transforma. Por outro lado, considerando o universo urbano, fruto da interferência humana, o que se percebe são muitas conexões soltas. Mas a cidade carrega um forte potencial. As ruas estão cheias de pessoas que fortalecem a “cultura da improvisação” para sobreviver, tentando ganhar a vida de maneiras engenhosas, e sempre abertas às oportunidades emergentes. É o que acreditam os designers do escritório londrino Studio Swine. Eles acabam de passar uma temporada em São Paulo empenhados em um projeto muito especial, que tem justamente esta consciência sócio-cultural ecológica como ponto de partida para um objetivo maior.

Em uma iniciativa incomum, a dupla Azusa Murakami e Alexander Groves criou uma técnica eficiente para transformar latas de bebida em peças de mobiliário únicas e extremamente expressivas. E a partir de uma fornalha feita com materiais descartados que, facilmente transportada, torna qualquer local propício para ser uma pequena fábrica pública.

Na capital brasileira onde a geração de lixo é em altíssima escala e 80% do que é reciclado é recolhido informalmente pelos catadores, a intenção dos profissionais é ensinar o processo a eles, com os quais trabalharam intimamente durante boa parte deste ano, fazendo com que tenham oportunidade de aproveitar melhor o que encontram nas ruas, ao conseguir desenvolver produtos para venda.


Studio Swine/Divulgação

Totalmente artesanal, e até casual - já que os móveis feitos com o metal derretido são moldados com materiais achados na hora -, o resultado vai da criatividade de cada um, em objetos certamente de beleza singular. Na coleção agora concebida pela dupla de Londres, aparecem cinco bancos mais do que exclusivos. Os assentos tem formatos inusitados: folha de palmeira, cesto, tijolos, roda de carro e tubos de plástico usados na construção civil foram os modelos que receberam e deram outra dimensão ao líquido metálico. Tudo oriundo do lugar onde os designers estavam no momento da fabricação.

FEITO À MÃO

A pequena unidade de produção é feita com ferramentas simples e componentes de segunda mão, e funciona como um forno de fundição improvisado, movido a óleo de cozinha residual coletado em barracas de pastel de uma feira livre. Assim ligada e instalada, a máquina tem potência suficiente para derreter latas amassadas. O substrato de alumínio é então despejado em moldes de areia conseguida em canteiros de obras da própria região.
Studio Swine/Divulgação

“Há algo de mágico sobre o momento em que o metal frio torna-se um líquido quente, para depois ganhar nova vida. Queríamos que a superfície reverberasse a textura da areia junto ao estado de fusão do metal, deixando a impressão clara dos objetos que encontramos naquele dia”, revelam os designers na descrição do projeto.

Aproximadamente 60 latinhas são o bastante para dar contorno a cada banquinho. Considerando que estes catadores informais obtêm uma quantidade diária elevada de latas, principalmente em dias de eventos culturais e esportivos (quando elas chegam aos milhares), a fornalha artesanal representa uma real possibilidade de melhoria de vida para estas pessoas, mesmo que pensar em uma produção de grande alcance ainda seja algo um pouco distante.
Studio Swine/Divulgação

Cidade de lata

Os bancos desta linha incial do Can City, como assim o trabalho foi batizado, são apenas o prenúncio do verdadeiro potencial deste instrumento técnico. Variando conforme cada situação, cada elemento aproveitado e a imaginação de cada artesão, podem nascer verdadeiras obras de arte que, evidenciando a estética natural personalizada, seriam perfeitamente encaixadas na demanda individual por encomenda. E altamente desejáveis pelo mercado da arquitetura e decoração, com valores inestimáveis, por enquanto também imensuráveis.
Studio Swine/Divulgação

Para ficar com uma opção mais próxima do que é facilmente vendável, o Studio Swine sugere até a fabricação de pequenos objetos e souvenires voltados para o público da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, no Brasil.

Palpável é lembrar que, entre os produtos já comercializados pelo estúdio (incluindo as cadeiras Can Chair, a mesa Cactos fundida, o conjunto de banquinhos e diversos tipos de luminária), os preços vão de R$ 80 a R$ 25 mil. “Ao contrário dos móveis de alumínio convencionais, estas peças são, cada uma, únicas e expressivas. Com fabricação no local, o processo transforma materiais efêmeros em objetos de metal, fornecendo um retrato da rua”, escreve a equipe no site oficial.

Sustentabilidade na origem
Studio Swine/Divulgação

A ideia de repensar a forma como o homem trata seus resíduos, aliás, é algo que o Studio Swine já dominou. Em atuações anteriores, eles criaram, por exemplo, a Sea Chair, um banquinho concebido com base em lixo plástico proveniente do oceano, além de uma série de itens feitos em madeira e garrafas que remete ao modernismo tropical brasileiro. “Qual é o futuro da indústria? Visto que a Revolução Industrial se firma no conceito de fazer a mesma coisa milhares de vezes, será que os processos fabris do futuro vão incorporar características individuais ou mesmo casuais?”, questionam.

Studio Swine/Divulgação
Depois de já ter a proposta exposta em uma mostra na metrópole paulista e da longa convivência com os catadores de São Paulo em 2013, os profissionais ingleses resolveram manter a máquina na cidade, onde o projeto será estendido para uma nova série de produtos e mobiliário que serão feitos em uma comunidade carente. O trabalho foi comissionado pelo Coletivo Amor de Madre, com apoio da Heineken.

Os dois também devem ingressar em uma viagem de seis meses para a China, onde pretendem lançar novas coleções. Acreditando na viabilidade prática eficientemente simples do processo, o desejo principal que os move é implantar o projeto em mais lugares e para mais pessoas o quanto possível.

Assista ao vídeo:


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Celso - 15 de Novembro às 20:27
Muito bacana! Excelente ideia! Parabéns aos pensadores e executores da mesma.

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