O desabamento do Edifício Liberdade, prédio de 20 andares no Centro do Rio de Janeiro, provocou há dois anos a morte de 17 pessoas. A hipótese mais provável é que uma obra irregular no terceiro andar tenha comprometido toda a estrutura. Para evitar que reformas mal planejadas voltem a causar prejuízos no Brasil, entra em vigor na sexta-feira a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Toda intervenção deverá ser avaliada e planejada a partir do dia 18 por engenheiro ou arquiteto.
“O dono do apartamento não pode fazer o que quiser. Qualquer intervenção na área privativa deve atender aos requisitos da norma e ser comprovadamente documentada, senão pode comprometer toda a edificação”, alerta o engenheiro civil Roberto Matozinhos, consultor técnico do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), que participou da elaboração da NBR 16.280. Trocar a pia da cozinha, por exemplo, não exige a contratação de um profissional habilitado. Por outro lado, para colocar uma bancada que aumente o peso da edificação é preciso recorrer a uma análise técnica, assim como fazer uma abertura na parede para instalar um ar-condicionado.
Entre várias exigências, a norma da ABNT obriga o proprietário da unidade a elaborar projeto e plano detalhado de reforma, especificando as intervenções, profissionais envolvidos e duração. O documento deve ser apresentado ao condomínio, para que o síndico possa autorizar a obra. “Caso o síndico não tenha competência, tem que contratar um profissional para fazer a análise. Dentro do prazo de garantia, a intervenção também tem que ser aprovada pela construtora e pelo projetista da edificação”, acrescenta Matozinhos. O responsável pelo condomínio ainda deve comunicar a reforma a todos os moradores e por fim solicitar uma vistoria para confirmar se o serviço foi executado conforme o projeto apresentado.
Na visão do engenheiro civil Alexandre Deschamps, diretor da empresa especializada em reforma Vanguarda Engenharia e presidente da Associação das Empresas de Reforma Predial (Asserp), todos os envolvidos ganham com as novas regras da ABNT. “A norma visa à segurança da edificação, dos moradores e dos vizinhos. Se você executa uma reforma de qualquer jeito, que venha a trazer prejuízo, pode ficar bem mais caro para o condomínio”, comenta. Deschamps diz que os maiores erros são executar obras sem planejamento e contratar pedreiros, mestres de obras ou empreiteiros em vez de contar com a ajuda de profissionais qualificados, que estão mais preparados para elaborar o projeto de reforma.
Retirar uma parede em prédio de alvenaria estrutural, furar vigas, cortar pilares, colocar janelas em lajes ou abrir passagem para a cobertura são reformas que podem causar transtornos. “O prédio foi planejado para ter telhado, mas o morador do último andar resolve construir uma cobertura, colocando sobrepeso de dois cômodos e uma piscina. Isso compromete toda a estrutura da edificação”, pontua o presidente da Asserp. Mas não é apenas a estrutura que preocupa a ABNT. Deschamps cita a instalação de muitos eletrodomésticos na cozinha, sem consultar o projeto elétrico. O excesso de carga pode causar superaquecimento e até incêndio.
De acordo com a NBR 16.280, um profissional, que pode ser engenheiro ou arquiteto, deve elaborar o plano de reforma e se responsabilizar pela obra. O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG), Joel Campolina, defende que o profissional tem visão antecipada de como ficará a obra. “Os arquitetos têm a capacidade de antecipar a visualização daquilo que está no papel. Quando você enxerga apenas as etapas concluídas, não tem como garantir que o resultado final fique compatível com o que planejou”, destaca. Ao contrário do que se imagina, o arquiteto pode participar de todas as etapas da reforma, desde a concepção do projeto até a assinatura de responsabilidade técnica.