No último domingo, dia seguinte à frustrada tentativa de Golpe de Estado na Turquia, a cidade de Istambul foi palco de uma vitória, mas neste caso, brasileira: a Unesco, por meio do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, incluiu o Conjunto Moderno da Pampulha, de Belo Horizonte, na Lista do Patrimônio Cultural da Humanidade. É o vigésimo bem brasileiro a fazer parte da lista do Patrimônio Mundial, sendo agora, com os centros históricos de Ouro Preto e de Diamantina e o Santuário de Matozinhos, em Congonhas, os representantes mineiros na seleta lista.
O Conjunto Moderno da Pampulha é composto pelas construções de 1942 e 1943: Igrejinha São Francisco de Assis, o Museu da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Clube; pelo espelho d’água do lago urbano artificial e pelo paisagismo da Orla e pela Casa Kubistchek, de 1945.
O projeto, considerado um marco do Modernismo brasileiro, nasceu de um convite, em 1941, feito pelo visionário prefeito Juscelino Kubistchek ao arquiteto Oscar Niemeyer, que, desde o projeto do Ministério da Educação (em 1936, no Rio), do qual participou com o arquiteto suíço Le Corbusier, havia criado laços de identidade com a elite política e intelectual mineira.
O arquiteto Oscar Niemeyer, o paisagista Roberto Burle Marx, o pintor Cândido Portinari, o escultor Alfredo Ceschiatti, dentre outros artistas, são os responsáveis pelo belíssimo cenário. Estes profissionais geniais se encontravam nas fases iniciais de suas carreiras e buscavam a afirmação da identidade nacional construindo obras de personalidade própria, distintas da influência europeia. O Conjunto da Pampulha possibilitou mudança nos rumos da arquitetura e do paisagismo modernos, com a utilização das curvas livres na arquitetura e os recursos tecnológicos para torná-las possíveis, além de sua integração com a natureza e a paisagem que rodeia toda a lagoa. Como ícone da modernidade na arquitetura, Niemeyer e seus amigos influenciaram toda uma escola ao redor do mundo.
O reconhecimento da Pampulha como patrimônio cultural resultou no tombamento pelo Iphan, em 1997; em 1984, pelo Iepha/MG e, em 2003, pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte. Em 2015, o Conjunto Moderno da Pampulha teve sua candidatura aceita pela Unesco para Patrimônio Cultural da Humanidade, por meio da dedicação, paixão e profissionalismo do presidente da Fundação Mineira de Cultura, Leônidas Oliveira, arquiteto e doutor em urbanismo e patrimônio histórico, e sua equipe.
O que está por traz da candidatura é o desejo ou necessidade de escolhermos o que deve sobreviver à passagem do tempo e constituir, assim, o fio que liga o passado ao presente e este, ao futuro. Definir o que deve ser preservado no momento presente é sempre uma decisão delicada e complexa, em que é preciso enumerar as razões que o justificam. Sabemos que, como todo processo político e social, é foco de tensões, disputas, conflitos e tem questões ligadas ao poder. Felizmente, houve consenso para a decisão de que nossa Pampulha será guardada, salva, conservada e utilizada.
Considerando ser a atividade turística um dos maiores propulsores dessa utilização e conservação, isso conduz à necessidade de buscar alternativas de gestão do território urbano que compatibilizem o crescimento econômico e imobiliário, com adoção de medidas governamentais importantes. A legislação já se fortalece evitando a verticalização da área e resguardando o complexo arquitetônico e a limpeza da lagoa. Sabemos que não há necessidade de verticalização e especulação para uma real valorização imobiliária. Espera-se, na realidade, uma boa política urbana de estímulo à construção sustentável, o incentivo ao turismo e incremento da infraestrutura na região.
É, pois, questão relevante e atual buscar a conciliação da atividade turística com a preservação do Patrimônio Cultural, harmonizando a atuação governamental e a dos cidadãos e empresas, que necessitam se conscientizar para que o bom turista e os cidadãos não danificam nem exaurem o patrimônio desta e das futuras gerações.
Embora o principal objeto de preservação seja a arquitetura, as áreas urbanas estão incluídas como parte da vizinhança de monumentos e como portadoras de valores indispensáveis para a vida urbana.
As principais diretrizes para a preservação das paisagens urbanas históricas supõem a formulação e aplicação de políticas públicas que protejam e equilibrem valores culturais e naturais; integrem intervenções contemporâneas e a rede urbana; incluam instrumentos de participação, conhecimento e planejamento adaptados ao contexto local, enfim, políticas que promovam também a intervenção privada com projetos de interesse comum.
Historicamente, o intuito de preservar o meio ambiente é fruto da conscientização coletiva à qual aderiram os cidadãos e os poderes nacionais, dando relevância não apenas ao ambiente natural mas, também, ao meio artificial, cultural e econômico. Que saibamos cuidar do nosso patrimônio, individual e coletivo. E que aumente o amor e orgulho pela nossa memória e pela nossa cidade.