A vizinhança desta parte de Sófia, capital da Bulgária, é formada essencialmente por blocos de apartamentos originais da década de 1970. Todas as edificações foram erguidas em um curto espaço de tempo, por isso o centro da cidade não tem traços históricos típicos que muitas vezes caracterizam as regiões centrais dos principais municípios daquele continente. Aí, a interligação com a paisagem natural se dá em uma forma satisfatoriamente direta – as construções são grandes, com campos generosos entre elas e rica vegetação ao redor. Ao mesmo tempo, o acesso a todas as comodidades urbanas é rápido e fácil, fazendo da área um lugar aprazível e bom para viver. Mas a sensação que fica quando se chega a esta zona de Sófia é que falta uma identidade com o passado e um sentimento coletivo de memória e historicidade.
A atmosfera da cidade, então, é fruto da união de dois elementos básicos e essenciais na configuração dos espaços habitados. A forte integração com a natureza é um deles. No outro lado, o senso de passado, das heranças daqueles que ali antes estiveram, e o próprio entendimento enquanto uma comunidade humana, no contexto atual assim como através do tempo, só encontram resposta principalmente por causa dos edifícios. Neste cenário, o desafio dos arquitetos do Aedes Studio era imprimir esta percepção de opostos entre o novo e o velho em um prédio que seria construído com um tom contemporâneo e, ao mesmo tempo, uma carga pretérita.
O projeto do conjunto de apartamentos Red Apple, concluído neste ano, começou com a intenção de engrandecer o bairro com ares de outras épocas, fornecendo a esta região traços de um flâneur, o que, no sentido de Baudelaire, seria algo como um lugar onde as pessoas andam a fim de experimentá-lo. A abordagem inicial da obra partiu com uma ideia parecida com o que seria feito no caso de revitalizar uma parte antiga esquecida da cidade, como acontece em velhas regiões portuárias e industriais em muitas localidades europeias.
Para conferir um charme do passado, concatenado às conveniências modernas, que surge quando esses bairros renascem para a vida, os arquitetos conjecturaram como ponto de partida um edifício abandonado de fábrica, que se tornaria um ambiente de luxo almejado para ser habitado após passar por uma renovação. “Mas como não tínhamos uma fábrica para começar, tivemos que criá-la. Esta é a forma como a sua 'fábrica de viver' surgiu, caracterizada por muitas ideias contrárias relacionadas aos termos 'velho' e 'novo'”, ressaltam os responsáveis pela obra.
A base da proposta é o tijolo. O material, aplicado de forma dorsal, contém os conceitos de velho e novo e, repleto de imagens que se associam a ele no percorrer dos séculos, por si só já é uma valiosa figura. Uma concha de tijolo perfurado codifica a estrutura, delineada explicitamente pelos contornos irregulares do local, concebendo ângulos agudos que reforçam a perspectiva e alcançam um caráter importante. As aberturas se compõem de maneira similar, surgindo a partir de uma grade do tijolo circunscrita. A fachada exalta uma configuração eventual das janelas que, em algumas partes, tomam o lugar dos tijolos em tamanhos generosos que se destacam em até dois andares. Em certos momentos, a parede lisa muda o visual e ganha volumes que ultrapassam os limites de sua superfície e ficam suspensos. Eles evoluem para a terceira dimensão em grades em balanço, suprimindo o tom chapado da área frontal do prédio e criando um efeito sobre as sombras. Daí também aparecem as varandas que se emolduram analogamente – são balanços de metal separados, fechados por grades em três lados.
Belas árvores se sobressaem em generosas fendas na parede externa, cercando a construção no chão e crescendo por ela até a cobertura. A vegetação e a aproximação com o meio ambiente são influências que elevam o clima do tempo passado e seu romantismo. Como geralmente acontece nestes tipos de fábrica, o conjunto conta com várias chaminés por cima. Com uma interpretação diferente, elas fazem o papel de poços de luz, ou recebem vasos de árvores. No pavimento térreo, este componente também se manifesta, rompendo as barreiras entre os ambientes interiores e exteriores, muito parecido com os tijolos que saltam da fachada, mas em escala amplificada. Escalas diferentes nascem ainda nas salas de estar que contrapõem as janelas duplas e as aberturas comuns.
A aparência mais fortemente hiperbolizada no edifício está no espaço da escada. Apresentada como um grande foco de iluminação, ela é circundada pelas plataformas para as habitações, partindo da mesma camada de tijolo perfurado da fachada. A parede interna de tijolos, da mesma forma, se abre para fora em uma superfície de chão de tijolo. Esta especificação arquitetônica, assim como o eixo de luz e os vasos de árvores, cria o sentimento de que o chão é uma potencial fonte de material da construção.
Por dentro, os apartamentos também incluem volumes colocados distantes da fachada, concebendo as salas como se fossem ilhas elevadas. Os moradores podem assim, mesmo no interior, perceber este ritmo. O pé-direito duplo das salas de estar busca inspiração nos lofts nova-iorquinos. Deliberadamente, as alturas dilatadas dos espaços otimizam a sensação de alternância entre um ambiente industrial para o caráter residencial. No segundo andar, destaque para o piso dedicado aos esportes.
Um local que prima pela diversidade de aspectos só foi possível com a conexão entre o antigo, o abandonado, e a descoberta de uma fábrica feita para morar. A construção, desta maneira, reúne os benefícios da atualidade e de épocas remotas. O prédio não apenas se instala nos arredores – ele oferece ao bairro o que estava ausente: história, passado e memórias.
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