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Mon Oncle: arquitetura e cinema

Clássico de Jacques Tati contrapõe duas formas de pensar e experimentar o mundo, revelando diferentes relações do homem com a trajetória social e arquitetônica

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Gray-Film, Alter Films/Divulgação
Para quem ainda não se deliciou com as aventuras de Hullot, o filme trata do encontro de duas posturas, de duas formas de pensar e experimentar o mundo: a sociedade moderna, representada pela família Arpel e sua tecnológica casa modernista e Hullot, o tio simpático e desempregado, que rompe o pragmatismo e o cientificismo da época, não se enquadrando em padrões de estética e comportamento.

Hullot estabelece uma relação afetuosa com seu sobrinho, filho único dos Arpel, e acaba servindo como exemplo, justamente por propiciar ao menino momentos mais alegres e estimulantes dos que aqueles que lhe são possíveis dentro de sua limpíssima, branca e intocável casa modernista. É um filme incrivelmente divertido e ao mesmo tempo passível de uma série de reflexões sobre a sociedade e a arquitetura.

Hullot é o contraponto à casa modernista dos Arpel, família integrada pela irmã do personagem, seu marido e filho. O tio vem de uma porção da cidade que o racionalismo modernista ainda não havia alcançado, onde existe muito mais possibilidade para que o sujeito possa vivenciar as ruas e estabelecer o seu próprio jeito de usar os espaços, tanto internos quanto externos. Percebe-se claramente o encontro de duas posturas antagônicas: a ordem e a desordem, o pragmatismo cientificista e a subjetividade fenomenológica.

Tati satiriza a introdução extremada da tecnologia no cotidiano doméstico, a necessidade de viver para o outro, de ter uma imagem programada, pré-concebida para o outro. Reflete sobre a importância de uma forma de viver menos restrita por regras de bom comportamento e boa aparência.

Havia uma grande diferença entre o modernismo e a modernidade. Por muitas décadas, desde os anos 20 com o protomodernismo, a arquitetura estava a serviço de uma ideia, de um conceito de mundo, portanto aqueles que queriam se "associar" ao conceito de modernidade, de novos tempos, deveriam compreender e produzir uma arquitetura que fosse compatível com o momento histórico.

O que ocorria era que muitas vezes a mentalidade dos indivíduos não era nada moderna, mas a forma como ambicionavam projetar-se socialmente sim. Suas roupas, suas casas, seus objetos, seus carros, enfim, era como se fossem impostos através de regras que nem sempre se encaixavam harmonicamente à real forma de perceber o mundo e aos valores mais íntimos do homem. Os Arpel, certamente, são o mais elucidativo exemplo de busca por mostrar-se moderno, ainda que para isso tivessem que educar-se novamente, agora dentro do mundo da tecnologia, da assepsia e da falta de intimidade.

Algumas questões nos interessam, como por exemplo: em que tipo de casa moramos? Somos sujeitos do espaço em que vivemos ou nos adaptamos a uma realidade confeccionada para nós, a qual simboliza luxo e status? Eu, particularmente, prefiro a vida de Hullot, mais divertida, menos programada e mais sujeita ao inesperado e a erros e acertos. Sempre, é claro, com uma boa dose de humor. E você?

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Assista a um trecho do filme Mon Oncle



*Estela Netto é arquiteta, formada pela PUC Minas, especialista em História da Cultura e da Arte pela UFMG. É responsável pelo escritório Estela Netto Arquitetura e Design que atua em projetos resiênciais, comerciais e interiores

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