Inúmeras iniciativas têm-se mostrado válidas no processo de resgate e valorização do patrimônio cultural construído em Minas Gerais. O vasto acervo de bens culturais do estado torna-o um dos territórios mais ricos e expressivos na arte colonial brasileira, composto por exemplares ainda conservados, datados dos séculos 18 e 19.
Infelizmente, observa-se, com freqüência, o abandono e o descaso com imóveis de potencial valor histórico e cultural, cujo espaço é testemunho dos fatos passados. Em meio ao panorama trágico da perda de bens de inestimável valor, enfatizamos algumas iniciativas exemplares de recuperação e restauro de imóveis e espaços urbanos remanescentes do período colonial. Ações bem sucedidas e de resultado surpreendente, além de resgatar a memória, valorizam o bem cultural, criando novas possibilidades de uso e inserção no contexto social do século 21, associando-o às atividades de educação, desenvolvimento social, econômico e sustentável.
Torna-se importante frisar que o processo de restauração de imóveis pode agregar uma série de valores que reforçam e justificam a real necessidade da recuperação de bens culturais. Um imóvel restaurado, por exemplo, assegura a perpetuidade da memória coletiva, revelando às novas gerações modos e saberes de tempos passados, cujo conteúdo é base na formação da identidade cultural de uma comunidade. No tocante à sustentabilidade, a recuperação e reutilização do espaço construído possibilitam o aproveitamento de materiais e também de saberes relacionados aos ofícios do passado e que hoje entram em acelerado processo de desaparecimento, em razão da baixa procura ou desvalorização do saber ancestral. A prática adequada da restauração busca o saber tradicional dentro da comunidade envolvida, gerando trabalho e renda para o agente conhecedor de um ofício que se encontra latente e pouco valorizado.
O resgate das técnicas ancestrais e a valorização da mão de obra local podem ser importantes estratégias na definição e na viabilização do empreendimento de restauro, gerando trabalho e renda para os profissionais detentores de ofícios tradicionais, cujos saberes lhes foram transmitidos pelos seus ancestrais. Destacamos aqui trabalhos que nos últimos tempos têm sido referência na recuperação e resgate do patrimônio cultural construído.
A Fazenda da Vargem
(foto), imponente exemplar da arquitetura rural do século 19 no município de Nova Era, região centro-leste do estado, acaba de receber obras de recuperação, cujas intervenções contemplaram a estabilização estrutural, recomposição do telhado com substituição integral do engradamento e telhas, e reforma generalizada das esquadrias. Cursos, oficinas e atividades relacionadas à educação patrimonial e ambiental, incluindo uma grande horta que atenderá as escolas do município, fazem parte do novo programa de necessidades e usos no qual se baseia a reutilização do imóvel. A edificação da Fazenda da Vargem, de propriedade da Prefeitura Municipal, é um excelente exemplo do trabalho de recuperação e revitalização urbana que vem sendo desenvolvido nos últimos anos. Assim como a obra da fazenda, a Praça da Igreja Matriz, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1973, recebeu nova pavimentação, cuja composição de paralelepípedos e pedras substituiu a camada de asfalto que descaracterizava a paisagem, executada há algumas décadas, dando ambiência mais compatível ao sítio histórico.
Outra atuação de destaque no âmbito da recuperação do patrimônio cultural construído ocorre no município de Santa Bárbara, onde há alguns anos ocorrem trabalhos de revitalização do centro histórico e seus casarões circundantes. Inúmeros trabalhos de restauração foram executados nos últimos anos contemplando o Memorial Afonso Penna, a antiga Cadeia Municipal, a Prefeitura Municipal, a antiga Estação Ferroviária, o Hotel Quadrado, a Casa da Cultura, a Igrejinha de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e o casario colonial da Rua Rabelo Horta. Destaque especial para a edificação sede da Casa do Mel, onde foram adaptadas instalações para exposições, cursos, palestras e uma pequena loja para comercialização do mel e derivados fabricados por produtores locais. Tal iniciativa comprova que é possível associar a valorização da história e da cultura ao desenvolvimento econômico.
A apropriação de edificações históricas, além de valorizar o objeto arquitetônico em si como obra de arte, devolve à cidade um exemplar que compõe a memória coletiva e a identidade cultural, incentivando o desenvolvimento econômico local, cujas atividades são agregadas de valores diferenciados. Através de revitalizações como estas, as cidades históricas mineiras são valorizadas, atraem visitantes, estimulam o comércio, geram emprego e renda para a população e, sobretudo, resgatam valores históricos e culturais, reforçando o sentimento de identidade e pertencimento.
Na véspera de receber um grande fluxo de turistas nacionais e internacionais para os próximos eventos esportivos mundiais sediados no Brasil, tais cidades projetam-se como fundamentais no contexto dos municípios que compõem o cenário cultural e histórico mineiro.
Diante do exposto, além da necessidade latente de preservar o acervo cultural brasileiro, torna-se imperativo preparar-se para o futuro, através da valorização do passado histórico e cultural dos municípios brasileiros. A ação de preservação cultural deve contemplar aspectos de desenvolvimento social e econômico, notadamente embasados nos preceitos da sustentabilidade.
O amálgama entre desenvolvimento sustentável e preservação, torna-se, portanto, um dos principais desafios para a sociedade do século 21, momento crucial no qual se espera um grande alavancamento econômico do país.
*A O3L Arquitetura é uma empresa que atua área da construção contemporânea de baixo impacto ambiental e do patrimônio cultural, sediada na cidade de Belo Horizonte/ MG. Daniel Quintão especializou-se em Arquitetura de Terra - técnicas vernáculas, pela Ecole Nationale Supérieure d'Architecture de Grenoble e Laboratório CRATerre, França. Participou do desenvolvimento de projetos e obras de construções em terra junto à empresa francesa AKTerre - Construction et Matériaux en terre, instalada na região de Grenoble, Ródano - Alpes, além de elaborar inventários de bens culturais no âmbito do programa do ICMS Cultural no estado de Minas Gerais. Frederico Prates especializou-se em História da Cultura e da Arte pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Desenvolve trabalhos na área da restauração e intervenção em bens culturais e possui ampla experiência nos trabalhos do ICMS Cultural junto a vários municípios mineiros.O3L Arquitetura: Rua Congonhas, 798/sl. 4 - Santo Antônio - Belo Horizonte-MG. (31) 2531 7070/(31) 9196 6935/(31) 9625 7382. Emails para esta coluna: o3l@o3l.com.br